No ano em que instituição do divórcio cumpria 30 anos no Brasil (2008), o IBGE divulgou as estatísticas relacionadas ao divórcio. A atual taxa de divórcio no Brasil é a maior desde 1995 com aumento de 200%. Isso significa que, em média, a cada quatro casamentos, um é desfeito. Sem dúvidas, uma primeira e simples conclusão é que a sociedade mudou o seu pensamento e comportamento diante da instituição familiar.
Refletir e falar sobre família não é uma questão simples, mas não são as dificuldades que devem impedir a reflexão sobre o tema. O desafio diário do cristão evangélico de viver determinados padrões familiares tem sido uma constante. Dominicalmente os freqüentadores e membros das igrejas têm sido desafiados com discursos que os convocam a viver determinados padrões familiares, com o objetivo de sustentar e manter o casamento e o vínculo familiar estabelecido. Cônjuges e filhos são constantemente expostos a palestras, pregações e estudos com o intuito de manterem e vivenciarem uma família cristã, com práticas tidas como cristãs.
No entanto, nos perguntamos: ainda é válido, em pleno século XXI, o modelo familiar que nos foi ensinado nos séculos XIX e XX? Existe a necessidade de se pensar em um modelo de família cristã para a pósmodernidade? Manter os valores cristãos para a família significa manter práxis ou costumes do milênio passado? Eis o desafio.
Em primeiro lugar, faz-se necessário esclarecer que a família deixou de ser um núcleo social para se constituir num núcleo funcional. Na atualidade, a solidariedade, que é um valor que precisa ser restaurado, começa a ser substituída pelas funções que os membros da família exercem. O envolvimento familiar é responder às questões que levantamos, e mais importante, à pergunta: quem eu sou nesta família? Trata-se de uma questão de identidade e filosofia familiar e o cristianismo, por ter um discurso solidário gerado numa concepção comunitária que é exposta na imagem de corpo de Cristo, provoca e traz uma crise no meio familiar, uma vez que as pessoas são solidárias na comunidade cristã, porém não o conseguem ser na família. Vive-se, portanto, a crise da fé x práxis. A ortodoxia x ortopraxia.
Em segundo lugar, o discurso evangélico esquece-se da tríplice vivência mundana do cristão. Não defendo a idéia de “conformar-se com o mundo”, mas não se pode esquecer que o cristão “está no mundo” e que a oração de Jesus foi que fôssemos “livres do mal”. Particularmente, vejo aqui o cerne da “crise familiar”, a falta de leitura daquilo que chamo de “sinais dos tempos”.
O cristão vive envolvido num “tríplice mundo”: “mundo-família”, “mundo- igreja”, e “mundo-sociedade”. Uma simples observação da distribuição do tempo, dos estímulos e da participação destes cristãos mostrará quais influências, formação e informação esta família receberá. Esta leitura básica da mundaneidade deverá conduzir o tipo de discurso ligado à família que as igrejas devem proporcionar aos seus ouvintes. Como dissemos não se trata de nos conformarmos com o mundo, mas de sermos sábios e prudentes para “transformarmos o mundo”.
É necessário transformar famílias para viverem no mundo e não para viverem somente para si. Proponho aqui que a família deve ser uma comunidade da vida, ou seja, uma verdadeira facilitadora da vida em comunidade, sem se conformar com a filosofia da vida mundana.
Os formadores de opinião e aqueles que se dedicam a organizar e produzir materiais para a família cristã devem, impreterivelmente, fazer a leitura dos “sinais” de nosso tempo. Dessa forma, teremos um discurso libertador e não gerador de uma opressão religiosa. A mensagem que deve ser comunicada deve não somente facilitar a compreensão da vida cristã em família, mas ser um facilitador do viver cristão. Um discurso concreto e não idealista. Existencial e não asceta. Da vida e não de morte. Da graça e não da lei. Do evangelho e não da tradição ou religiosidade. Da diversidade familiar e não de uma padronização serial.
. Não podemos nos esquecer que a vida cristã é integral, mas em termos de tempo, crescimento, aprendizado e outros, somos limitados. Atualmente, muitos lares são verdadeiros dormitórios. É difícil pedir a uma família cristã que se junte diariamente para exercitarem a oração, quando esta tem apenas os fins de semana para estarem juntos. É esta a realidade “mundana” a qual nos referimos e que deve ser entendida e levada em consideração por aqueles que produzem treinamentos, cursos, palestras para as nossas famílias cristãs.
Outra questão que deve ser indicada é a rapidez com que as mudanças acontecem em nossos dias. Não há como não mudar. As pessoas mudam de grupos sociais, de amigos, de igrejas, de bairros... Não se estabelecem vínculos profundos e duradouros. Portanto, a mudanças podem acontecer e devem acompanhar o ritmo da sociedade. O ensino para a família atual deve ser rápido, proativo, interessante. Os valores permanecem, mas a forma deixa de ser cristalizada, sem perder o status de cristão. Um exemplo trivial é a leitura bíblica. Hoje muitos não lêem a Bíblia diariamente, mas a ouvem, diariamente e por muito tempo. Estes cristãos “posmodernos” usam o seu tempo e o som de seus carros ou seus aparelhos de mp3 para “ouvirem” as Escrituras Sagradas, enquanto dirigem ou estão parados nos engarrafamentos das grandes cidades. Serão eles menos cristãos do que aqueles que antes, dispunham de mais tempo para lerem a palavra?
A esquizofrenia da família cristã se dá quando os membros das igrejas são retirados do seu habitat e são conduzidos a vivenciarem a fé cristã por modelos produzidos por matrizes religiosas forâneas e em série. Os cristãos não podem ser retirados do contato com a sua realidade da vida e especificamente dos tumultos vivenciais. Quando existir uma correta leitura dos “sinais dos tempos”, existirão mais cristãos concretos e menos cristãos em série. Existirão cristãos ligados com a sua realidade. Estes cristãos, que são vistos como artefatos eletrônicos nos quais basta que se ajuste um determinado parafuso, ou transistor para que tudo volte a ser como dantes devem ser libertos. O tecnicismo da vida cristã, que nos ensina que se fizermos determinadas ações, usarmos determinadas fórmulas, teremos os resultados almejados, deve ser extinguido e substituído por algo de mais “mundano, mais concreto, mais real.Feito para o homem atual e para seus dilemas atuais.
A teologia da vida cristã é holística: Deus, Criação e Eu. Ela é concreta e multifacetada. Cada cristão vive suas experiências de forma subjetiva e diferenciada. A riqueza da palavra de Deus é que ela é viva. O significado disto é: a palavra e formação estão em constante desenvolvimento na vida das pessoas. Não erramos se dizemos que a palavra de Deus por ser viva é “funcional”. Isto significa que a eficácia também está de acordo com a forma que cada cristão desenvolveu, com sua história de vida. Isso inclui experiências de vida, família, formação, identidade pessoal única, experiência religiosa, estilo pessoal, dons, etc. E isso não gera cristãos em série.
Assim escrevi - jotaeme
JOTAEME